sábado, janeiro 23, 2016

O movimento ambientalista no meio da ponte


É hoje lançada uma nova associação ambiental, a Zero, que resulta de uma cisão na QUERCUS.

A QUERCUS é, ela própria, uma cisão do NPEPVS, que já era uma cisão da Sociedade Portuguesa de Ornitologia, e a QUERCUS já deu também origem, através de outra cisão, ao FAPAS.

Poderia ser, portanto, uma mera questão em torno de uma organização ambiental.

Não estou convencido disso.

No GEOTA há relativamente pouco tempo houve eleições disputadas, e a LPN tem neste momento em curso um processo eleitoral em que existe uma candidatura de continuidade e uma candidatura de ruptura.

Ao mesmo tempo, algumas associações entram em falência (como o CEAI), deixam de ter actividade ou, pelo contrário, reforçam a actividade, como a ATN ou a MONTIS.

Duranta anos critiquei (e mantenho muitas dessas críticas) um modelo associativo em que os sócios não ocupam um lugar central nas associações, que trabalham, essencialmente, para os seus financiadores, investindo tudo o que têm em projectos financiáveis, e para as suas estruturas técnicas profissionais, usando grande parte dos seus recursos obtidos na manutenção dos postos de trabalho entretanto criados.

É um modelo que pode funcionar bem (a SPEA é talvez a mais bem conseguida aplicação deste modelo) mas que tem o problema de estreitar as bases eleitorais das associações, e o seu enraizamento social, de tal forma que, meia dúzia de pessoas empenhadas, podem formar um sindicato de voto que ganhe as eleições, como aconteceu (aliás, legitimamente) na QUERCUS.

É também perfeitamente legítimo que quem perdeu o poder na QUERCUS desista de ficar, criticando e apresentando-se a votos, e prefira ir fundar outra associação, apelando ao simbolismo de reunir, como fundadores, grande parte dos anteriores presidentes da QUERCUS, e apresentando, como diferença substancial, uma centragem na sustentabilidade em detrimento da vocação de conservação e trabalho  no terreno que sempre caracterizou, pelo menos em teoria, a QUERCUS, o que aliás se traduz nos nomes das duas associações.

Ao contrário de outros países, como os Países Baixos, em que todo o pai de família é sócio da Natuurmonumenten, em Portugal não existe uma (ou mais) associação conservacionista que se centre no prazer e no gosto do uso da natureza, sem grandes preocupações de intervenção política.

Nesses países, há pessoas que entendem que a melhor forma de assegurar o seu prazer de contacto com a natureza é associar-se a outras pessoas com a mesma ideia e comprar e gerir terrenos onde existam oportunidades para uma natureza não condicionada pela actividade económica extractiva.

Em Portugal esta ideia de acesso à natureza é imediatamente entendida como um direito que deve ser assegurado pelo Estado, pelo que a associação mais bem posicionada para desempenhar o papel de uma National Trust, a LPN, sempre foi uma associação elitista dominada por académicos (nem os estatutos são democráticos, respeitando o princípio de "um sócio, um voto") cujo principal objectivo era pressionar o Estado para assegurar o que estes académicos definiam como bem comum (muitas vezes, com razão).

Os actuais movimentos que se verificam dentro das associações tradicionais, ou à margem das associações tradicionais, com a criação de outras organizações e movimentos, não me parecem ser uma mera repetição da matriosca de cisões que caracterizaram o movimento ambientalista dos anos 70 e 80, mas a reacção de pessoas comuns à longa letargia que desde essa altura se verifica num movimento ambientalista muito desenraizado socialmente, mas com grande acesso a recursos, a lobying e aos meios de comunicação social. Estas condições permitiram a instalação de uma estrutura técnica e profissional que podia dispensar os sócios para se manter.

Aparentemente o dinheiro tem estado mais difícil, os meios de comunicação social estão preocupados com a sua própria sobrevivência e o lobying é pouco útil porque não há recursos para canalizar.

Uma boa oportunidade para que as pessoas comuns se organizem e façam das associações o que quiserem, centrando a sua actividade na vontade dos sócios.

Longa vida à Zero e a todas as outras que a precederam, o que não será um produto do acaso, mas da atenção que as direcções dedicarem aos sócios que as elegem.

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